Pensamentos Soltos

Na presença do corpo desejado
e nos dias simples de chuva.
Na noturna solidão
e no contar das estrelas
que se confundem com as margaridas.
No princípio dos passos incertos
e na saia rodada que faz ciranda e melodia
para aqueles que chegam.
Na prece resoluta
e no vidro quebrado:
pensar tem sido custoso,
pois o relógio das emoções
insiste em mentir sobre tudo.

Amores

Se os amores vãos enternecem o dia,
as canções de antes surgem
na página em branco
e revelam os vestígios
do sonho.
Se a chuva cai sem mais,
o passado se faz imagem sem endereço
e descreve o momento do beijo
que, apesar dos ares de sempre,
desperta desejos intensos.

Tempo

Se as horas nada dizem,
preciso ouvir os oráculos do tempo.
Se chove lá fora,
preciso mentir sobre as ilusões
da última manhã.
Se os olhos atravessam
espelhos de mim,
adormeço sobre as páginas do livro
que me falam de você.
E o tempo?
Ah, o tempo,
oráculo da vida.

Final

Nunca soube dizer se a história teria fim
ou se o acaso sempre me iludira.
Nunca dispus de tempo para rios de lágrimas
ou para o sacrifício de nada dizer
em despedidas nas tardes sem sol.
Os segredos tão bem guardados
provocam raios e trovões.
Os amores que tenho
são labirintos e só.

Silhueta

Não tem nome
a silhueta que se esgueira entre destinos.
Não se sabe se essa sombra
que passeia no escuro da insone noite
carrega em si nuances de adulta ou de menina.
Não tem rosto
os rabiscos que se movem na folha branca,
incógnitos entre as dores mais doídas,
seguindo na pauta do tempo que urge.
Encontro alma,
com rimas ou sem
que, no velho sistema,
dão as cartas nos jogos da emoção.
E sem nome,
sem rosto,
seguem falando o que diz meu coração.

Imagem

No corpo nu
e na pétala macia.
No sino da alvorada
e nas estradas de pedra.
No carro que roncava ao longe
e na camiseta que não secou.
Na marca de refrigerante
e no tênis ideológico.
Na tristeza sem fim
e no presente de natal.
No braseiro de São João
e no enfeite da roupa.
No cabelo trançado
e na viola sem corda.
No caminho por fazer
e no ipê amarelo.
Na lenha no mato
e nas assombrações de sempre.
No alfinete colorido
e num busto de alabastro.
No retalho de chita
e no lustre do salão.
No beijo de cinema
e no espinho no pé.
Na água da mina
e no quem sabe amanhã.
Na última cena
e no trem descarrilado.
Numa prece de desespero
e nos cavalos a galopar.
No sol escaldante
e na lembrança do fim.
Na coleção de selos
e na mala desfeita.
No refrão proibido
e na frase de caminhão.
Somente uma imagem:
seu rosto.

Distância

O que nos distancia
não é a distância em si,
mas a notória discrepância
das passagens transitórias
por caminhos que não devíamos seguir.
O que nos distancia
são poucos passos, enfim,
e um mundo de incompatibilidades
a truncar os trilhos da mesma direção.
Choque de opiniões,
dualidade da razão,
verdades que cada um segura em sua mão.
O que nos distancia
diz respeito à (in)sensibilidade.
Disparate na proporção dos sentimentos,
balança que pende incansavelmente
do lado onde a emoção se reporta
e o outro lado se eleva contendo vento.
O que nos distancia
é a falta de concordância
destoando a sintonia
que morre todo dia
aumentando a distância
nos recônditos de nós
enquanto reverberas luz imprópria,
fazendo a poesia calar a sua voz.
O que nos distancia são anos-luz,
antagônicos sinais a dirigir
a nau que pelo tempo nos conduz.
A incerteza de não saber onde ancorar,
a comodidade que nos rouba o desafio,
o encontro de almas desiguais.

Insana

E ela renasce a cada fase da lua
rouba-lhe o brilho
e lhe ofusca o luar.
Percorre as estrelas seu insano olhar
e penetra o negro véu,
indo além do céu.
De seus lábios,
um balbucio visceral
profetizando um tempo que jamais haverá igual.
De repente, dança em estranho ritual
e a cada passo avança,
imaginando-se normal,
tomando para si cada pedaço do espaço
sem se importar com a plateia atônita
que, aos poucos, se dispersa,
se descompassa pelos cantos
a amaldiçoar a figura lacônica.
Gira em torno de si toda sensação
como em movimento de rotação.
Pensa trazer os dias e as noites,
transladando cada estação.
Sinistra,
caminha com a lua
que some no céu
e ela na rua,
feito miragem,
deixa o cenário de ilusões e desenganos
levando consigo a magia do encanto.

Palavras

Para que palavras
faladas ou registradas,
guardadas no pensamento,
se deturpam-lhes o significado,
matam-lhes a essência,
calam-nas na escalada
ensurdecidos ante a carência
de serem bem interpretadas,
se em tempo algum serão escutadas?
Para que palavras
se elas voltam sempre
cabisbaixas,
indiferentes,
ou nunca retornam,
levadas pela contundente ilusão
de uma palavra com lábia
e nem são interpretadas
do jeito que as descrevem o coração?
Para que palavras
se quase todas já foram usadas
em sonhos decadentes,
paixões desenfreadas,
amores já descrentes,
em mundos inconvincentes
e viram estátuas
sem anunciarem o que sentem?
Para que palavras
se quando delas preciso
se ausentam em um espaço conciso
deixando-me só,
eu e eu,
em um cerco onde me confino
com o vazio de se estar só
a confabular comigo mesmo
o desencantamento
de cada palavra que se perdeu?
Para que palavras,
se o silêncio se faz presente,
impetrado em sentimentos?

Silêncio

Olho-te bem devagar.
Há sempre uma verdade
a ser descoberta,
uma porta fechada,
uma janela entreaberta,
uma luz apagada,
um brilho varando a fresta.
É preciso desvendar detalhes,
tocar teus limites,
trocar nossos olhares,
concedermo-nos nos ver
e até onde me permites
conhecer o que omites,
o que não deixas transparecer.
Tatear o que me escondes,
desabotoar tuas pausas,
compreender tuas causas,
aceitar-te como és.
E no silêncio da resposta
que me percorre e corrói,
mergulhar em tua fala
que dói e silencia.

Carregar mais