Internamente!
Saio de mim. Observo-me. Sou mar volteando a ilha tentando explicações. Busco me compreender. De longe e de perto há muito de encoberto. Pego carona em uma onda que me leva e traz. Passado e presente vasculham-me a mente, travando embate perspicaz à procura da fase em que me perdi, onde o obscuro não refaz o que não lembro mais. Apaguei com borracha e ninguém me acha. É onde me desconheço. Onde a angústia mora e o nada me consola. Imagino uma escada e recomeço outra vez do primeiro degrau. Vou limpando as fuligens até alcançar o último clareando o que tranquei. Talvez assim me ache em um encontro surreal: Internamente, terno.
(In)lucidez!
Prefiro o desequilíbrio lúcido a revirar sentimentos calados fazendo barulho para manter-me viva, a seguir outro compasso na contradança da vida que contraria e impede a valsa. Prefiro perder-me de vista e reencontrar-me nova onde se entremeia a pista que a todo instante se renova no salve-se quem puder e salvarem-se todos, entre mortos e feridos. Prefiro atalhos cerzidos, remendados um a um, à reconstrução de caminhos que não levam a caminho algum. Entrego-me ao inesperado, ao sonho inusitado, às contradições do dia, à luz de cada manhã, à espera compulsória, ilusória, alienada ao mistério não revelado da incerteza do amanhã. Prefiro-me a mim, como sou, assim, (in)lucidez que vibra a cada lampejo do sol, com as miudezas da rua, com as voltas do girassol, com a nova fase da lua, com as reviravoltas da vida.
Poesia!
(...) E a poesia virá, simplesmente, sem palavras, brandamente, com o silêncio que se fará, traduzido pelo encantamento dos versos que o poeta interpretar, enlevado pela emoção de quem fala sem falar. (...)
Um ré maior!
Re (comece): toda dia amanhece mesmo que você não queira ou ainda que você se feche, a manhã sempre aparece. Re (verta) em sabores, os dissabores, das rochas também nascem flores, dos espinhos, a evolução. Re (ligue) o ato de religar gera religião, comunhão, transcende, acalma, comunga seu corpo com a alma. Re (encontre) valores verdadeiros, hoje, forasteiros, amanhã, herdeiros a perpetuar sua história. Re (viva) momentos inesquecíveis, retratos da ausência, partículas de essência, breves, infalíveis realezas, sopro de brisa afugentando a tristeza. Re (nove) a vida, o modo de agir, (re)agir Mudança (re)quer sacrifício e, por mais que seja difícil, contribui para crescer. Re (construa) "setenta vezes sete" os muros desmoronados, ruínas de castelos que esmorecem onde sonhos entre escombros permanecem. Re (produza) a frase que se perdeu, o texto que deixou rastro, palavras sem significados, o poema que não escreveu. Re (veja) tudo que pode ser costurado, customizado e transformado. Planos a serem (re) formulados, passos que possam ser acertados. Re (considere) o que vale a pena. Re (vele) o que o âmago impele. Re (dobre) a paixão pela vida. Re (inaugure) aquela estação esquecida. Re (nasça) todo dia: na fala do dia, no improviso das horas, nas cicatrizes do corpo.
Tons de Guerra!
Espanta-me a fome em preto e branco e a tinta, sangrando no solo em cinza, pincelando a maldade na tela cinzenta do homem que, por algum engano, era obra que se intitulava humano.
Escrevo?
Escrevo: a folha em branco me impele, provoca-me, convoca-me, remexe meus neurônios, sentimentos à flor da pele querem que eu me revele, que me rebele, trace recônditos da alma diante da ansiedade que me transtorna o momento em que me encontro. Palavras se difundem. Confundem emoções, debatem-se em confronto, emudecem as razões. Escrevo: um emaranhado de letras embargadas na mente, de início, incoerentes, mas que ganham sentido de repente, à medida que descrevo a verdade (in)contida, a palavra que não digo, o silêncio que consente em calar o que sinto. Escrevo: no papel em branco - meu cais - onde aporto meu barco, onde choro meus ais, onde volto e parto e o branco do papel já não é mais molhado e pardo. Descrevo a neblina de pranto e de mágoa expressando o que quero, o que grava a minha retina, porém que nunca revelo. Escrevo? Talvez!
Leva-me!
Leva-me, oh, mar, às profundezas de teus mistérios, entre águas, algas e corais onde jazem desfeitos navios e castelos, histórias guardadas não reveladas, onde habita em um sacrário, a paz. Leva-me, oh, oceano, a circundar tua imensidão, participar de teu plano como um rito navegando meu barco farto de conflitos, despejá-los nas ondas que nunca voltam onde o horizonte despenca no infinito. Leva-me, oh, céu, põe-me asas, carrega-me contigo. Quero transcender a mansidão de teu véu, descortinar alcovas de amores incontidos, alçar um voo atrevido, destemido e abraçar toda brandura do infinito. Preciso transitar entre as estrelas, descobrir onde acordam, onde adormecem e me cobrir de fantasias e cintilações. Onde a noite surge e a manhã começa para onde vão as minhas orações quando aos céus dirijo minhas preces. Leva-me, oh, montanha, a permear entre névoas, cascatas e entranhas, trilhar a rota da emoção em um sonho colorido e, lá de cima, vislumbrar um mundo mais bonito.
O poeta voltará!
O poeta foi ali, lá, acolá, não sei onde. Sei que voltará. Foi buscar fragilidade em solos lavrados de fraternidade. Foi ainda mais além, acender o farol do mundo, iluminar o breu profundo que aqui se estabeleceu. Foi buscar a estrela de Belém, os sinos repicando o bem, a neve para branquear o chão e tornar o natal tão lindo, ainda que mera ilusão. Foi regar a primavera, colher a flor mais bela a exalar emoção. Em tardes outonais, roubar o dourado das folhas, a nostalgia encantada do tempo para o desengano do agora que não se encanta mais. Foi pedir paz onde há guerra tão fria que a alma aterra e congela sentimentos. Foi estancar o inverno, fechar o portal do inferno de onde os demônios disseminam o mal. O poeta foi ali, lá, acolá, não sei onde. Só sei que voltará.
Sem rumo!
Não sei se prossigo ou fico, o que me espera em outra esfera, não sei explicar o que sinto, o que quero e espero. O espaço aqui se estreita, não capta o que meu coração revela. Se algum sentimento me resta ou alguma palavra se presta a me servir de lenitivo, ensina-me outro rumo sem o amargor do absinto. Meu pensamento se esparge sem ter mais onde ancorar: na primeira muralha bate como barco sem rumo, perdido, que só quer voltar. Giro com o mundo veloz na vagareza de meus passos e meu descompasso, cruel algoz, aponta a todo instante o que não faço sob as cores de um sol radiante gerando matizes em um campo brilhante que minh’alma ultrapassa e não vê; a mesma que minha sensibilidade não mais alcança, mas almeja.
Recomeço!
No peito, marcas que tento apagar. Na alma, vincados os sonhos que ainda restam. Nos olhos, misto de fim e começo. No coração, batidas descompassadas, que, aos avessos, prenunciam vida e recomeço. Novo endereço! Na mala, vastas e ricas experiências. Recair nos mesmos erros? Reticências. É preciso tentar, dar a cara à tapa, viver o novo, talvez. Desconcertante etapa: rasgar fotografias amareladas que fazem sofrer e não levam a nada. Abrir cortinas e janelas, deixar o sol entrar, inundar, mesmo que por uma fresta. Que festa! Ver lá fora a esperança voltando e o amor timidamente bater à porta. Vou abri-la. O resto não importa. Recomeço.
Labirinto!
Rastreio passos por caminhos que perdi. Procuro inversos entre os versos que reli. Busco a essência infiltrada na raiz e a palavra sacrossanta que bendiz. Percorro livros que clareiem minha mente sem encontrar conteúdo convincente. Se me aproximo da verdade, ela se esconde. Então me afasto sem saber: ir para onde? Abro horizontes e não sei qual seguir. Construo pontes com o intuito de unir. Se as transpasso, ultrapasso o meu espaço e vou além de onde precisava ir. Recorro à Freud que explode o pensamento, que não explica, apenas replica meus argumentos. De meu rosário descontei todas as contas e até meu credo anda descrente de mim. Já não sei quem sou, como sou, se sou. Inerte, estou perdida em um labirinto pintado em minha mente. Triste mente, triste coração que grita a confusão que sinto: sou um labirinto e só.
Náufragas palavras!
Pobres palavras, náufragas e inaudíveis, vagueando perdidas no vasto oceano à mercê do vento, ondas e tormentas, tentando emergir a um novo plano. Viajantes sem destino buscam outro rumo, uma razão maior para se tornarem texto. Vagam imersas, desencontradas, sem prumo, apagadas, sem nexo, longe de um contexto. Ah, palavras, que não se deixam ouvir! Que itinerário pretendem seguir? Não emitem som, trazem dias sem glória. Qual ancoradouro aportará sua fantasia, a ousadia, se um dia se tornarem história? Quem sabe as estrelas do mar as embalem, aconchegantes e faceiras as façam refletir ou a linha do horizonte as encontrem defronte ao novo por do sol que há de vir. Quem sabe as ondas do mar as naveguem e brancas espumas as façam se quebrar em um castelo de areia que, ansioso, aguarde o mundo de sonhos que sonham ancorar.