Sentimentos!
Quando dei por mim o mundo havia mudado. Parei. Embora o tempo não houvesse parado. As pessoas já não eram as mesmas: afeições, aflições, feições, expressões. Estranhei. Procurei olhar bem por dentro, talvez algum indício em cada uma, um sinal que preenchesse essa lacuna ou me guiasse onde as pudesse achar ou me achar. Divaguei. Fiz da ilusão passaporte para o indefinido. Por onde andei esse tempo todo? Criei com minhas mãos terrível engodo. Nele mergulhei. Fuga insensata de querer permanecer, viver a utopia da poesia que criei onde o mundo era exatamente o que sonhei. Vi-me só ante a multidão que desconhecia, a mesma da qual me dispersei e pertencia e agora se afasta sem sequer me entender. Despertei. Perdi a contagem dos dias, meses, anos, das madrugadas varadas em desenganos, das manhãs em que nem via o sol nascer, mas o descrevia como quem sempre o vê, sentindo seu calor e luminosidade: brilho ilusório de felicidade. Impossível voltar no tempo, dizer às pessoas o que não foi dito, que me perdi no que foi escrito e foi escrito tudo o que senti. O que vivi. O quanto me feri. O que ainda sonho.
Estações!
Sou primavera. Cor, matiz, fragrância, elegância, amor verdadeiro, curandeiro, inteiro, bailado de flores, fresta entre dores. Retorno verão, luz da estação, queima de passado chorado, quebrado, bronzeado ardendo a pele, sol em levante, manifesto irrelevante. Continuo outono. desnudo o tempo, cubro o chão. Folha amarelada carregada pelo vento ao relento, morta. Enfim, inverno. Me escondo, encolho, hiberno, coabito comigo, retorno ao abrigo, embrião preso ao cordão do umbigo das estações que passam.
Con(verso)!
Está onde estou. Lado a lado. Entre estilhaços ou turbulências, emoções, reticências, alegrias! Testemunho lavrado de momentos felizes ou chorados registrados em atas. Ampara, dá colo, alivia o choro, descreve o que sinto, acalma as águas desse oceano revolto em mim. Recolhe auroras, cores do entardecer que vem me surpreender. Ouve as badaladas de meus ais. Ouço vagar teu silêncio. Silencio também. É verso a me socorrer se necessito dizer o que entala, o que cala, o que impele a gritar. Então ele fala por mim. Dá-me asas para voar, corda para amordaçar e abafar meu grito. Infalível socorro quando morro e quando vivo. Con(verso) com versos, extravaso poemas. Sem versos, desconsolo. Cego-me às belezas, entrego-me às dores, ao descompasso desse mundo sem uni(versos).
Despedida!
Hoje me despeço do que sou. Dos meus sonhos amarelados, enroscados em teias tecidas por desencantos desencadeando planos inacabados, esboçados pela falta de ânimo, que se perderam no tempo por nunca surtirem efeito; lançados ao contratempo, descorados, imperfeitos, perdidamente desfeitos. Despeço-me das dores, das ausências e dos amores, daquelas que mais senti, daqueles que mais amei e pelas estradas ficaram ou se foram, sem uma razão qualquer. Coisas que ninguém sabe explicar. E, eu criança, menina, mulher. Só, a recomeçar. Despeço-me das feridas, do passado que um dia vai passar. Recomeço nova fase. Desponto com a aurora sob a luz de um novo brilho que me guia e revigora a luzir o despontar de meus primeiros cabelos brancos, marcando a nova estação e o meu sorriso franco ao lado de velhos amigos, novos amores, que, comigo, entre essências e flores, também envelhecerão.
Desencontro!
(...) Hoje eu queria me desprender e comigo mesma falar. Dizer-me as palavras certas, tão difíceis de encontrar, se não se sabe onde o certo cabe ou se minh’alma o acatará. Abraçar meu próprio eu, na mesma taça de vinho brindar um possível recomeço sem vontade de chorar, sem carência de carinho, sem urgência do cantinho, lugar para se isolar. Dizer que o sonho permaneceu, que eu ainda sou eu, vida que requer vida, alma que prometeu unir os meus distantes eus. (...)
Proximidade!
Bem perto! Procurei-te por tanto tempo: nas sombras que me seguiam, nas manhãs de todos os dias, na luz do sol que em meu rosto ardia, Nas estrelas que não mais luziam, Nas fases das luas cheia e nova, em tudo que se renova e que não volta atrás. Procurei-te, ardentemente, nas almas vibrantes dos amantes, nas paixões alucinantes, nas emoções irradiantes, nas fantasias sexuais, nos espaços transcendentais, na lucidez e na demência, na penumbra e na transparência e te descobri tão perto, perto de mim, demais. Bem perto! Trago-te dentro do peito: és essência, és fundamental, és a supremacia de um parto, és o poema que faço.
Tudo passará!
Tudo passará! O ontem foi triste: Lembranças, devaneios, andanças, lugares que já não existem. Datas cravadas, punhais, sonhos desfeitos, ais não se apagam, cravam demais. Rogo ao tempo, ao relento carregar o que foi ruim, o que marcou em mim, trazendo boas novas de um recomeçar não tão triste assim. Ainda sonho, às vezes: nada é como antes. Atenuantes que não viram fatos. (Semi)empolgações de desacatos que temperavam o que vinha a ser de fato, consumado, sacramentado. O sol ainda brilha. Brilho tosco, fosco, titubeante, cúmplice de meus versos irrelevantes a entristecer, sem querer, quem os lê, à espera, talvez, de uma mudança ou de frases de efeito a se contrapor com o cenário imposto sem ter sido eleito. Por enquanto, ficará como está: não há como forçar o sentimento e transformar o lamento em um cântico de alegria e paz. Mas sei: tudo passará.
Caravana!
Abranda os passos. O mundo é um círculo. Leva sempre ao mesmo lugar. Não há canto, não há reta, direção perpendicular. Alinhe o andar sem intenção de chegar. Horizonte-se na linha que virá, ainda que o tempo se alongue e as estações tendam a mudarem. Não perca o compasso. Há primavera em todo lugar. Siga a caravana no espaço dos que sonham seus ideais e aportam no mesmo cais. Veja as velas içadas no mar navegando mistérios abissais, na calmaria de um sopro de vento, de uma viagem que só leva, não traz. Caminha feito as aves em migração perfeita: caravana rara e feita de almas que voam pelas estradas do céu. Junte-se à comitiva errante. Se errar, siga adiante. Há tempo para recomeçar. Vigia os pensamentos. Cuida dos sentimentos. Conquista o território sagrado. No comboio da emoção deposita o coração. E deixa a vida passar.
Medo!
Medo! De me despir das vontades e nua de desejos e ensejos perder minha identidade. De desistir dos sonhos e imbuir-me de marasmos, cultivando um amanhã enfadonho. De mergulhar no vazio, dele não conseguir sair e, por mais que eu tente, nele persistir. De perder a inspiração, vítima da síndrome do papel em branco e fragmentá-lo com meu pranto. De que a sombra se interponha e me impeça de ver a luz, o belo, o arrebol, o sol. De que pensamentos funestos conspirem contra mim, no universo, e me retornem ainda mais perversos. De não encarar a verdade, alienar-me à falsidade e, por mais que me custe, mascarar a realidade. De não ter ousado, não ter lutado, não ter recomeçado, não ter acertado, mesmo tendo amado. Medo de não perder o medo.
“Mulher!”
Para ser mulher trouxe comigo a lembrança de um abraço, um carinho, um afago Um beijo de mãe, de vó, de tia… Para ser mulher trouxe os caminhos pisados por mulheres. Caminhos que meus pés reinventam, parindo de si mesmos novas direções. Para ser mulher trouxe comigo os olhos atentos, brilhantes e curiosos Observei muito e aprendi em silêncio, para poder falar e ouvir, para poder entender antes de ouvir, para poder gritar antes de qualquer… Para ser mulher trouxe comigo a alegria de gerar uma ideia, uma nova opção, um canteiro, um livro, Uma música, uma luz e recolho do chão as pequenas sementes que, espalhadas, nos deram alimento às almas. Para ser mulher entendi o que de nós mesmas se pode aplacar e o que de nós é necessário fomentar. Aprendi os ciclos e os recomeços, Aprendi a segurar as mãos pequeninas e as mãos femininas. Para ser mulher, entendi a solidão e sorri em irmandade. Para ser mulher sangrei e renasci muitas vezes. Para ser mulher, vesti-me de homem também. Para ser mulher sigo sendo, a cada dia, outra ponta. Daniela Camargo