Entrega!

Entrego-me ao crepúsculo das horas,
ao tempo que não se demora,
ao sonho impalpável
irrompido da aurora
onde minhas mãos resvalam,
tremem, teimam, demoram
pelo cansaço da persistência.
Entrego-me ao intransitável,
às lonjuras sem demarcação
a transitar minha existência,
minha solidão.
Às veredas purpurizadas,
aos canteiros de jasmins,
às belezas não sondadas
que não vejo, mas existem sim,
aos sonhos interditados
sem avisos nem porquês,
ao desejo de ir, apesar de.
À sensação de que vai passar
e permanece, sem trégua,
em mim.
Aos mistérios a rondar,
ao ter que crer sem ver
e ninguém para revelar.
Ao definitivo do não eterno,
à certeza de haver um fim,
às perguntas sem respostas:
Para onde vou? De onde vim?
Meu silêncio a gritar
e ninguém a me ouvir.

Teu silêncio!

Olho-te bem devagar.
Há sempre uma verdade
a ser descoberta,
uma porta fechada,
uma janela entreaberta,
uma luz apagada,
um brilho varando pela fresta.
É preciso desvendar detalhes,
tocar teus limites,
trocar nossos olhares,
concedermo-nos nos ver
e até onde me permites
conhecer o que omites,
o que não deixas transparecer.
Tatear o que me escondes,
desabotoar tuas pausas,
compreender tuas causas,
aceitar-te como és.
E no silêncio da resposta
que me percorre e corrói
mergulhar em tua fala
gritante, berrante, calada,
que imensamente dói.

Eutanásia!

Hoje minha poesia está só.
Triste, pede para morrer.
Não quer mais se atrever,
não quer mais voar.
Pede-me eutanásia.
Cansou de se expor,
gritar de canto a canto
o desencanto que a fez vibrar,
levar aos quatro cantos a arte de amar,
mostrar-se vulnerável à dor,
e toda a fragilidade
carregada de verdade
manifestada em versos.
Despiu-se e me despiu
desfiando seu rosário,
ao indignar-se com o que viu.
Ninguém viu, ninguém leu, ninguém sentiu.
Hoje, descrente, pede para morrer.
Covarde ou valente?
Pouco importa a esse mundo indolente.
Não sei bem o que faço.
Compreendo o seu cansaço
ou tento compreender.
Mas sem ela
como vou viver?

Poder!

Poetiza-me.
Deixa-me respirar teus versos.
Livra-me dos poderes adversos.
Percorre meu interior.
Descreve-me em toda versão.
Divulga-me assim.
Mora na calma da paz de um coração
a pulsar, das manhãs, a canção.
Vive teus momentos em mim.
Inspira-te em sentimentos que falam
do amor que evolui e constrói.
Me reconstrói.
Sou fruto de sensibilidades,
poço de fragilidades
que se apropriam de essências
geradas no cerne da alma.
Leva-me em tua poesia
onde a magia faz crer
que o inadmissível estarrece
e o impossível acontece.
Carrega-me,
entorpecida bailarina
a deslizar no inusitado de tuas rimas.
Cerra a linha do tempo
e que nos leve os vendavais
a ancorar nos sonhos atemporais.

Saudade!

Desmaia-me o espírito no tempo,
dilui-se a vontade
em cada dedo da minha mão.
O olhar,
vago de ontem,
cerra-se no amanhã
pelo receio de não sentir.
Escorrega-me a força do abraço
que carrega os sonhos,
e se vão transformando em utopias
ocas,
frágeis,
solitárias
e tantas vezes cruzadas
com o desespero da incerteza,
a dor da ausência,
o nó da saudade.

Eternidade!

Os dias voam
E os pensamentos passam
tal como as nuvens
mas tu ficas.
Ficas sempre
dentro de mim,
do meu coração,
da minha alma.
Tal como o Sol
e a Lua
que ficam sempre
no céu.

Saudade!

Enquanto houver saudade,
enquanto houver espera,
enquanto houver a dor,
haverá sonhos e esperanças,
haverá risos, muita crença,
existirá o amor.
Enquanto houver palavras,
existirá o silêncio,
enquanto houver a pressa,
existirá o momento,
enquanto houver inverno,
existirá o calor,
enquanto existir sonhos,
haverá realidade.
Enquanto houver distância,
existirá a saudade,
enquanto houver saudade,
existirá o amor.

Mãe!

És santa e cheia de graça,
a força do cuidado,
do perdão, da paciência,
força da alma, do corpo,
do suor, da resistência,
a força de tudo curar
sem precisar de ciência.
És a força de ser única,
da presença até ausente.
És a força de ser maior,
a força doce de um laço
e a segurança de um nó.
És, Maria:
mãe, menina,
cheia de graça.

Partitura!

Afino os sentimentos,
orquestro as palavras.
No silêncio,
busco a melodia mais pura,
quando minha alma se partitura
toco a poesia
versejada de candura.

Luta!

Perto dos sonhos os pesadelos são mais fortes.
Perto dos fortes os fracos são mais unidos.
Antes da ferida vem o corte.
Para achar-se é preciso estar perdido.
O corte, o sangue, a morte.
O bálsamo, a cura, a vida.
Da vontade ao sonho.
Do sonho ao plano.
Do plano ao ato.
Do ato ao fato.
E o fato?
Engano ou sorte?
Ferida ou morte?
Cura ou corte?
De fato,
o que nos mantém vivos
é a capacidade de recomeçar,
sonhar outra vez,
sangrar e curar
após cada engano,
cada anoitecer.
Apesar da insensatez
ressuscitar.
Vence quem cala
porque o silêncio é bala
não calma.
O silêncio é o barulho da alma.
Ave-santa
Graça!
Não há verso que se faça,
poesia que se cria,
arte que nasça
sem esse grito de dentro,
ecoado e atento
buscando a luz.
Não há poesia feita antes, nem depois.
Poesia é agora, instante.
Não escrevo aos outros,
mas pelos outros.
Através deles
versos se criam no ninho da observação.
Silêncio, mansidão.
Do que há em mim, mas oculta-se
do que sobra.
Se não escrevo aos outros,
escrevo dos outros o que me falta,
o que me salta.
Meu verso é isto: ou é falta ou é sobra.
meramente intenção.

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