Navega!

Vai,
adentra as brumas do oceano,
desvenda-lhe os mistérios,
arranca-lhe os panos,
envereda em seus encantos
reais e surreais,
constrói os seus castelos,
povoa-os de ideais
e volta para me buscar.

Talvez!

Talvez
o tempo reverta
a descrente esperança
em certeza
e me traga a surpresa
de um bem inesperado
que nem sempre se alcança.
Ou o amanhã retroceda
ao ontem ininterrupto
que se estende ao futuro.
Caminho escuro.
E tudo fique na mesma.
História que tento mudar,
rima que não quer mais rimar,
poesia que já não se faz notar.
Enfatizada,
mastigada,
engasgada.
Talvez
o hoje vivido
tenha valido
uma eternidade
e meu eu distraído
não tenha medido
tanta felicidade.
Nem notou as manhãs
de belezas louçãs,
momentos desprezados
na espera do amanhã
que talvez nunca venha
ou se faz de rogado.
Talvez
esses versos piegas
sejam fiéis mensageiros
do tempo verdadeiro
e mensagens sinceras
carregando bagagens
de sonhos e miragens,
gerúndio se estendendo
em todos os tempos
trazendo-me a chance
de continuar sendo,
mesmo em um tempo já ido,
mesmo sem nunca ter sido.

Mundo!

Sem passaporte,
confiando na sorte,
meio que se atropelando
entre atropelos vagando,
junte o que pode juntar
e se embrenhe pelo mundo
vasculhando o vazio e o fundo,
indo aquém e além
do que se possa imaginar.
Caminhadas aceleradas,
um ir e vir sem definição,
sem mudanças,
mesma direção.
“Mens(in) sana in corpore (in) sano”
pisando o sagrado,
driblando o profano,
finitos e infinitos superando
sempre viajando,
perdendo-se em labirintos,
achando-se em círculos,
movimentos cíclicos
que levam ao mesmo lugar:
da chegada,
da partida?
Quem há de saber?
Tanto faz!
E nessa roleta-russa
denominada vida,
há o certo e o incerto
e também a sobrevida.
Um jogo de azar,
a bala não perdida,
cartada preestabelecida,
vitória favorecida.
Sorte?
Única certeza:
Morte!

Sonho!

Era um sonho inatingível,
fora da realidade,
das possibilidades
de quem só sabe sonhar.
Trancado à sete chaves
em um cofre no fundo do mar,
um mundo à parte
imergindo dons de voar,
desses que ninguém invade
sem estar apto para tanto,
guarnecido de encantos,
de sentimentos tantos
nascidos do âmago para se soltar
e chorar pelo que não pode,
pelo que não coube
e teve que calar
tal a vastidão de seu penar.
Era um sonho inatingível,
praticamente impossível
de se realizar.
Virar poeta da noite para o dia,
perseguir a utopia
que não se deixa tocar.
Se tocada perde a magia
e o sonho vem a desabar.
Inatingível.
Mas era um sonho.
Não podia esmorecer,
cair em abandono,
desvanecer
sem ter visto o sol
do alvorecer,
beijado a nostalgia
do entardecer
sentido a primavera nascer.
Não podia morrer.
Deixar o poeta
de mãos vazias,
atadas
e a alma repleta de poesia,
mutilada.
Inatingível,
mas não impossível.
Bastaria acordar e buscar.

Escrevivendo!

Escrevo o dia que se abre
e toda a sensação que me invade
ao sentir que nunca é tarde
e a vida me chama para recomeçar.
Escrevo o ato que se predomina
ao escrever definitivamente o fim
ou inevitavelmente o começo
e tende a se emaranhar nas entrelinhas.
Escrevo o crível do tosco monjolo
ao debulhar com arte o milho e o café.
Escrevo do que vejo o que me convier,
o que ficou marcado no profundo,
lá nos guardados de meu mundo.
Escrevo sentimentos,
razão de minha fé,
arquivados onde, às vezes, mora a dor
e só vêm à baila no momento exato
em que se rompe o extravasor.
Escrevo,
descrevo,
reescrevo
a minha própria vida
onde minh’alma está contida.
O ontem,
o agora,
talvez o depois.
O instante em que vivo agora,
o convívio entre nós dois,
as lembranças do outrora,
o tempo que me desafia.
O resto, escreve a poesia.

Liberdade!

Se faz presente, a liberdade.
Onipotente. Súbita. Inopinada.
Tão esperada!
Em tons de imensa beleza,
real singeleza
confronta a escuridão da dor.
Luz incandescente!
Traz esperança.
Desativa fendas expostas em solo árido da alma,
do ventre, da gente.
Pousa em duras pedras.
Semeia pétalas.
Deixa a abstração, grades de prisão.
Metamorfoseia, (e)feito borboleta!
Convida a voar.
Impacta o ar!

Mudança!

Abandona o cais.
Navega.
Engole os ais.
Enfrenta as tormentas.
Tu és capaz.
Sai do ventre, rompe a bolsa.
Desliza com a expulsão.
Respira. Chora. Esperneia.
Acata os desígnios da vida.
Ela convoca; não convida.
Supera idas e partidas,
adeuses e despedidas.
Recolhe os sonhos.
Ainda há.
Basta acordá-los
e viajar.
Escancara a janela.
Observa por ela
e o mundo está lá.
Recomeça.
Um dia após outro.
Se preciso, hora após hora.
Realiza o que te aflora,
resgata o que perdeste
e te impulsiona a seguir.
Deixa pra trás
o que não volta mais.

Eclipse!

O sol espia,
provoca.
inunda,
fecunda.
evoca,
alcança cá,
acolá,
menos o aqui.
Não há como alcançar
nem mesmo um raio
consegue chegar lá.
O girassol se mostra,
aposta na manhã,
no dia que será.
Sob comandos solares
põe à prova
sua liberdade
e se prostra nos lugares
a girar.
Coração carente,
irreverente,
não vibra.
Triste,
se equilibra,
resiste,
faz sombra
e a luz desiste de entrar.
O sol lampeja
raios de vitória.
Sorri por se alastrar
coroa-se de aurora,
cores dançam em desagravo
ao eclipse humano,
ao inconsequente
ato desumano.

Indelével!

Não importa
se o aço corrói,
se o tempo maltrata,
se a vida quase escapa.
Na estética da flor
sempre haverá doçura,
uma doce ternura:
imaginário do amor,
indelével fluidez.

Encontro!

Tão bom nos lembrar
tão meu,
tão sua:
formas enlaçadas
almas cúmplices.
Tão bom te ter,
tão bom te ser:
pequenos sóis,
delicadas luas,
desejos compartilhados,
ternuras entrelaçadas.

Carregar mais